terça-feira, 10 de abril de 2012

A Cruz Mutilada

A  CRUZ MUTILADA.

Amo-te, ó cruz, no vértice firmada
De esplênidas igrejas;
Amo-te quando à noite, sobre a campa,
junto ao cipreste alvejas;
Amo-te sobre o altar, onde, entre incensos,
As preces te rodeiam;
Amo-te quando em préstito festivo
As multidões te hasteiam;
Amo-te erguida no cruzeiro antigo,
No adro do presbitério,
Ou quando o morto, impressa no ataúde,
Guias ao cemitério;
Amo-te, ó cruz, até quando no vale
Negrejas  triste e só,
.........................................................
E eu te encontrei, num alcantil agreste,
Meia-quebrada, o cruz. Sozinha estavas
Ao por do sol, e ao elevar-se a Lua
Detrás do calvo cêrro. A soledade
Não te pode valer contra a mão ímpia
Que te feriu sem dó. As linhas puras
De teu perfil, falhadas, tortuosas
Ó, mutilada cruz, falam de um crime
Sacrilégio brutal e ao ímpio inútil
.......................................................
O sino os simples sons pelas quebradas
Da cordilheira, anunciando o instante
Da Ave Maria; da oração singela
Mas solene, mas santa, em que a voz do homem
Se mistura nos cânticos saudosos,
Que a natureza envia ao céu no extremo
Raio de Sol, passando fugitivo
Na tangente deste orbe, ao qual trouxeste
Liberdade e progresso, e que te paga
Com injúria e o desprezo, e que te inveja
Até, na solidão, o esquecimento.

Poesia de Alexandre Herculano, poeta português - (1810 - 1877)

Nenhum comentário:

Postar um comentário